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Panorama da obesidade: políticas públicas, novos medicamentos e tecnologia podem mudar cenário

Muito além de um problema de saúde pública, obesidade demanda um olhar estratégico e multidisciplinar para modificar sua tendência de alta

Por Futuro da Saúde

A obesidade está se tornando uma das piores pandemias não contagiosas da história. A Federação Mundial de Obesidade (WOF) aponta que são mais de 750 milhões de adultos vivendo com a condição em todo o mundo. O índice brasileiro em 2021, por exemplo, mostrou que 22,35% das pessoas estão acima do peso, segundo dados da pesquisa “Vigitel Brasil 2021”, realizada pelo Ministério da Saúde. A saída para mudar o panorama da obesidade passa pela prevenção – inclusive com a atuação de healthtechs –, políticas públicas que estimulem estilos de vida saudáveis, cuidado multidisciplinar e, dependendo do caso, tratamentos que podem incluir novos medicamentos que começam a chegar ao mercado.

E é um panorama que demanda ações rápidas, porque a tendência não é de melhora. O Atlas Mundial da Obesidade de 2022 revelou que um bilhão de pessoas em todo o planeta devem viver com o problema até 2030 e somente o Brasil deve ter quase 30% de adultos obesos, o que coloca o país entre os que mais enfrentam o sobrepeso. Entre os homens, aliás, os brasileiros só perdem para a China e os EUA; entre as mulheres a posição é a 5ª, atrás também de Rússia e Índia.

São números que se refletem ainda em forte impacto econômico nos sistemas de saúde. A pesquisa “A epidemia de obesidade e as DCNT: Causas, custos e sobrecarga no SUS” da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que o valor gasto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2019 para o cuidado do excesso de peso e da obesidade foi de R$ 1,5 bilhão. Estes cálculos consideram custos de tratamento, consultas, transferências para consultas médicas, pagamentos a cuidadores, perda de produtividade, redução de capital humano por doença, morte prematura, dentre outros.

Esse problema de saúde pública em ascensão no mundo é visto com preocupação pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), sociedade multidisciplinar sem fins lucrativos que reúne cerca de 500 associados espalhados por todo o país, dedicados ao estudo e ao tratamento. Um dos resultados recentes foi a publicação do posicionamento sobre o tratamento nutricional do sobrepeso e da obesidade.

Para Fernando Gerchman, médico endocrinologista e membro da Abeso, é um erro considerar a obesidade como uma questão meramente estética, que afeta a autoestima. O problema eleva o risco de doenças cardiovasculares, diabetes, distúrbios articulares, fertilidade e aumenta as chances de desenvolver vários tipos de câncer, entre outras possíveis consequências. Sem contar a questão do preconceito: pesquisa feita pela Abeso e publicada em 2022 apontou que 85% das pessoas obesas já sofreram gordofobia. O estudo foi realizado com 3.621 brasileiros de 18 e 82 anos, de ambos os sexos.

De acordo com a nutricionista Luana Azevedo, uma boa alimentação e exercícios físicos nem sempre são suficientes para emagrecer e por isso esse tipo de patologia é considerada como Doença Crônica Não Transmissível (DCNT), assim como hipertensão, diabetes mellitus e câncer: “É uma doença estigmatizada e menosprezada, na qual coloca-se toda a culpa do excesso de peso na própria pessoa, sendo que é uma situação muito mais complexa”.

Políticas públicas e farmaeconomia para combater a obesidade
Por se tratar de um campo complexo, profissionais da saúde alertam para um olhar da esfera governamental. De acordo com Carlos Eduardo Barra Couri, médico endocrinologista, as políticas públicas no combate ao sedentarismo são fundamentais para um país mais saudável, porém é muito mais abrangente do que um projeto no papel:

“Como que o indivíduo vai fazer atividade física num bairro que tem o maior risco de morte por bala perdida? Precisamos de políticas de Estado, mas está longe de ser uma determinação fácil. Até o momento, não identificamos nenhuma política estratégica eficaz. Esse é o desafio para o Brasil e, cá para nós, para o mundo todo”.

Carlos Couri avalia que mesmo compreendendo que as doenças vindas da obesidade são caras e graves, é necessário um olhar estratégico para o tema. Isso porque diversos estudos clínicos conduzidos em ambiente controlado – em universidades e com voluntários – observaram que a taxa de sucesso da mudança do estilo de vida, ou seja, alimentação saudável e atividade física regular, é muito pequena. “Por isso que se fala que a obesidade é uma doença multifatorial”, sintetiza.

O médico ainda alerta sobre a questão de parte das pessoas achar que o excesso de peso é ‘falta de vontade’, já que há uma explicação científica para isso: “É que o nosso organismo não é adaptado para fartura e sim para escassez. Frente a qualquer perda de peso, ele se molda por mecanismo neuro-hormonais para reganho de peso”. Por isso, segundo ele, além das ações de prevenção e controle, como acompanhamento e mudanças de hábito, o tratamento medicamentoso pode ser um elemento-chave no processo como um todo – e no Brasil não existe nenhum no SUS.

Ele explica que, no SUS, a pessoa é acompanhada, quando acontece, por uma mudança no estilo de vida, com exercícios e alimentação saudável. E para aqueles que não conseguem perder peso, não há um tratamento, ou seja, não é oferecido ao indivíduo um medicamento. Só quando há uma indicação clínica e alguns pacientes conseguem fazer a cirurgia bariátrica: “Há uma lacuna aí. E como resolver isso? Precisa-se de um comitê técnico para determinar um protocolo para falar: ‘olha, o SUS vai começar a arcar com medicamento antiobesidade’.”

Assim entra a farmaeconomia, já que atualmente temos à disposição medicamentos com diferentes faixas de preço e eficácia. São necessários estudos sobre como calcular a população que vai ser beneficiada e o custo: “É necessário ver quanto vamos gastar agora, mas economizar lá na frente, isso que importa. É um bom momento para se discutir protocolos de tratamento de obesidade no SUS”, pontua Carlos Couri.

Como o SUS hoje não oferece tratamento, Couri avalia que a estratégia deveria considerar um protocolo que contaria com médico, educador físico, nutricionista e medicamento que o SUS arcaria para as pessoas, além da cirurgia bariátrica, indicada dependendo do caso.

Medicamentos para obesidade
Os fármacos podem ajudar no combate à obesidade, alegam os profissionais da saúde. Fernando Gerchman afirma que a Abeso “está planejando o desenvolvimento de diretrizes para o manejo da obesidade que incluam as novas tecnologias, como as novas medicações que serão lançadas no Brasil”. Uma delas é a semaglutida (Wegovy), da farmacêutica Novo Nordisk, aprovada no início do ano pela Anvis. A expectativa é que esteja disponível no mercado brasileiro no segundo semestre de 2023.

Priscilla Mattar, endocrinologista e diretora médica da Novo Nordisk, reforça a importância da aprovação do medicamento pela Anvisa: “É um marco no tratamento da obesidade, que precisa ser vista como uma doença crônica, progressiva e multifatorial e que carece de opções de tratamento”. Ela salienta que, assim como em outras condições crônicas, a obesidade deve ser tratada a longo prazo com o apoio de um profissional de saúde.

Nos estudos clínicos, o medicamento mostrou redução de aproximadamente 17% do peso corporal. O remédio é composto por semaglutida, mesma molécula presente no Ozempic, usado no tratamento de diabetes, mas em doses diferentes. Nos Estados Unidos, o Wegovy foi aprovado para a população adolescente.

“Para ser realmente eficaz é preciso fazer um tratamento com acompanhamento regular de um médico, aliado à alimentação equilibrada e saudável e à prática constante de atividade física. A obesidade tem tratamento e controle, mas não tem cura”.

Sobre o medicamento, o endocrinologista Carlos Couri vê com bons olhos: “É bem-vindo, seguro, eficaz e potente, porém o problema é o acesso ao tratamento”. Nos Estados Unidos, o Wegovy é comercializado por aproximadamente 1.400 dólares, o equivalente a cerca de 7 mil reais. Ainda não há determinação do valor no Brasil.

Outro medicamento que ainda está para ser liberado pela Anvisa é a tirzepatida, da farmacêutica Lilly. Ela é a primeira e única molécula de uma nova classe de medicamentos que atua nos receptores chamados GIP (polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose) e GLP-1 (peptídeo 1 semelhante ao glucagon), dois hormônios incretinas naturais. Estes hormônios, secretados pelo intestino em resposta aos nutrientes, melhoram a secreção de insulina após uma refeição. O GIP demonstrou diminuir a ingestão de alimentos e aumentar o gasto energético, resultando em reduções de peso e, quando combinado com o GLP-1, com efeitos no controle da glicose no sangue e no peso corporal.

Rosana Silva, gerente médica da área de diabetes da Lilly, explica que a chegada de novos tratamentos para obesidade é muito bem-vinda: “Eles podem ser mais uma forma de apoio ao paciente para que possa alcançar suas metas de tratamento, sempre aliado à dieta e aos exercícios que, por vezes, podem não ser suficientes para a perda de peso por si só”.

No estudo de fase 3, no qual comparou-se tirzepatida em relação ao placebo, os pacientes que utilizaram tirzepatida 15 mg perderam em média 22,5% do peso, cerca de 24 kg em média, em 72 semanas. Em um desfecho secundário, 55% e 63% dos pacientes alcançaram uma redução de pelo menos 20% do peso corporal. O estudo foi feito em pacientes com obesidade ou sobrepeso, que possuíam pelo menos uma comorbidade, mas sem diabetes. Além do tratamento, os pacientes seguiram orientações sobre dietas e exercícios físicos. Os pacientes tinham, em média, 105 kg no início do estudo.

Nos Estados Unidos, o medicamento já foi aprovado para diabetes tipo 2 e a indicação para obesidade está em processo de revisão acelerada pelo FDA. No Brasil ainda não está aprovado.

Tecnologia aliada à saúde para mudar panorama da obesidade
Algumas healthtechs olham com atenção esse cenário e buscam amenizar os impactos na saúde pública. A GoGood – plataforma de bem-estar corporativo, surgiu quando Bruno Rodrigues, co-fundador e CEO, após viver o karatê profissionalmente por 16 anos, foi seguir uma carreira de liderança executiva.

Na empresa, percebeu que era difícil criar um time de alta performance justamente pelos maus hábitos da equipe: “Via o sedentarismo, o estresse, a má alimentação como barreiras evidentes de produtividade, e pensei em desenvolver uma forma de ajudar as pessoas a atingirem seu potencial”.

A startup opera em um modelo de benefício corporativo, possibilitando até 70% de desconto para os colaboradores em uma jornada de bem-estar completa. Ela dá acesso a mais de 1.300 academias em 17 estados, além de nutricionistas, psicólogos, personal trainers e médicos.

O foco do negócio é a transformação social, na qual as pessoas passem a valorizar mais a saúde e o bem-estar. “A grande mudança do paradigma da saúde é deixar de tratar a doença e passar a cuidar a vida das pessoas como um todo, 24 horas por dia, 7 dias por semana”, reflete Bruno. Ele acredita que junto ao desafio crescente das empresas de atrair e reter os melhores talentos, essa tendência abriu caminho para departamentos de RH oferecerem cada vez mais benefícios que materializem essa importância, justamente para trazer para perto os melhores profissionais.

Outro exemplo de healthtech é a Liti. A startup foi criada em janeiro de 2022, após uma experiência pessoal do cofundador da Liti, Fernando Vilela. Ele perdeu 25kg e teve o acompanhamento do sócio, o médico nutrólogo e especialista em medicina do esporte, Eduardo Rauen, um dos pioneiros da área no Brasil. “Entendemos que mudar o estilo de vida é um grande quebra-cabeça, algo contínuo e não momentâneo”, exemplifica.

A Liti orienta e acompanha o processo de perda de peso e os impactos na melhora da saúde metabólica. Como funciona? Foi desenvolvida uma balança proprietária de bioimpedância com alto nível de precisão, similar às que são utilizadas pelos melhores profissionais do país. Conectada diretamente ao app da Liti, possibilita um profundo entendimento sobre como o paciente reage a cada alimentação, levando a uma alta precisão clínica e individualizada.

“Healthtechs, como a Liti, buscam resolver a dor de um problema que afeta milhões de pessoas em todo o mundo e que sobrecarrega o sistema público de saúde”, aponta Vilela. No final do ano, a healthtech anunciou um aporte de R$ 21 milhões. O investimento será usado para a expansão e investimento em produto e tecnologia. Mas o executivo compartilha que um dos principais desafios é evitar comparações com clínicas online e apps de emagrecimento:

“Nosso objetivo é transformar a saúde de milhões de pessoas na América Latina com doenças decorrentes de sobrepeso e obesidade e que poderiam ser evitadas com um estilo de vida saudável e equilibrado, apoiado por ferramentas de tecnologia para facilitar o dia a dia.”

Foto: Reprodução/Futuro da Saúde

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