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Regionalização da saúde avança lentamente, mas requer atenção do governo federal

Avanço nas políticas sobre financiamento do SUS e vontade política são os principais desafios para a regionalização da saúde.

Por Futuro da Saúde

A regionalização da saúde é uma das principais pautas para o avanço do Sistema Único de Saúde (SUS), mas que não caminha na velocidade que a saúde pública e a população necessita. Por isso, o Governo de São Paulo, 645 municípios paulistas e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) anunciaram uma parceria para acelerar o processo de regionalização dos serviços e atendimentos.

Nesta quarta-feira, 17, durante evento do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Estado de São Paulo (SindHosp), o secretário de Saúde de São Paulo, Eleuses Paiva, defendeu a regionalização como caminho para melhorar a gestão no estado. A primeira oficina da parceria com a Opas ocorreu ontem, em Presidente Prudente, unindo 42 municípios próximos para discutir os desafios e possibilidades da região para estruturação da regionalização dos serviços.

“Estamos acreditando muito em mudar o nosso foco de gestão, principalmente no interior do estado, trabalhando não mais com aquela visão do SUS especificamente em cima do município, da gestão só municipalista, mas trabalhando com uma visão que o próprio paciente com o passar dos anos acaba andando na sua região de saúde para procurar o local que ele possa ser atendido”, afirmou Eleuses.

Essa não é a única iniciativa nesse sentido. Diversos municípios e estados, com apoio de entidades e organizações, têm buscado trabalhar a regionalização da saúde dentro das suas prioridades, buscando escala, eficiência e economia ao orçamento público, ampliando o acesso da população a serviços.

Os entraves para que o tema avance ainda mais passam pela vontade política de prefeitos e governadores, já que é preciso diálogo e negociação para a construção de serviços regionais, a efetivação das regras de repasse de orçamento por região de saúde, o provimento de profissionais e o incentivo do Ministério da Saúde para que gestores adotem este modelo.

Ainda, especialistas apontam para uma maior necessidade de o governo federal colaborar com o orçamento destinado à saúde, que apesar de ser tripartite, os municípios são os que mais investem proporcionalmente nessa área. Dessa forma, seria possível investir mais nas parcerias que possam resolver gargalos assistenciais.

“A partir do momento que temos boa parte do orçamento através de emendas parlamentares, o papel político é preponderante para que possamos avançar no sentido da regionalização. Colocar no papel como deve ser a rede é possível avançar do ponto de vista técnico, mas precisamos da vontade política para que de fato aconteça investimentos e financiamento para executar na ponta”, explica Hisham Hamida, diretor financeiro do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

A importância da regionalização da saúde

O Brasil possui cerca de 2.725 hospitais públicos, de acordo com o levantamento Cenário dos Hospitais no Brasil 2022, produzido pela Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), que juntos somam mais de 163 mil leitos exclusivamente do SUS.

Mesmo que hospitais privados e filantrópicos prestem uma grande parcela de serviços ao sistema público, cerca de 34% dos municípios contam exclusivamente com o SUS, de acordo com levantamento do Ministério da Saúde junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Ainda, existe uma carência de atendimentos especializados e de média e alta complexidade por todo o Brasil, principalmente longe dos grandes centros. Os chamados “vazios assistenciais” exigiram uma busca por alternativas para levar acesso à população.

“Ao mesmo tempo que surge a ideia da municipalização da saúde, ocorre no Brasil uma grande fragmentação de municípios. O Estado de São Paulo mesmo tem 645 municípios, por exemplo. A criação excessiva de municípios criou um outro problema porque pequenos municípios não têm estrutura sanitária para poder atender às necessidades mínimas do cidadão”, explica Giovanni Cerri, presidente do conselho de administração do Instituto Coalizão Saúde (ICOS) e do Inova HC, Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Cerri explica que hospitais de até 50 leitos, a maior parcela das unidades do Brasil, são inviáveis para pequenos municípios com orçamento limitado, tanto do ponto de vista da demanda quanto do ponto de vista econômico. Em São Paulo, por exemplo, cidades com até 10 mil habitantes possuem cerca de 10 nascidos vivos por ano, número considerado baixo para manter equipe dedicada e estrutura exclusiva. Por isso, a saída para oferecer atendimento aos cidadãos pode ser através da regionalização.

“A regionalização, através de consórcios de município, pode atender de 80% a 90% das necessidades do cidadão. É uma coisa fundamental e está previsto desde a criação do SUS, mas a verdade é que nunca se conseguiu uma implementação adequada da regionalização da saúde. Os nossos pacientes continuam viajando muito para conseguir um atendimento em muitas especialidades e tratamentos que poderiam ser resolvidos em sistemas regionais”, observa Giovanni.

Cada acordo entre municípios deve levar em conta a utilização da população, as demandas médicas, a infraestrutura disponível, o orçamento vinculado, entre outros fatores. Por isso, não existe uma fórmula para definir como cada regionalização deve ser feita, o que requer diálogo e dedicação dos gestores.

Case de regionalização no Brasil

“Vários estados já têm essa discussão. São Paulo, Paraíba, Ceará e Goiás são alguns exemplos, mas todos em geral já iniciaram essa discussão, e cada um com a sua dificuldade e desafio. A região amazônica tem dificuldade de logística, para deslocamento e fixação de profissionais, diferente de outros estados”, exemplifica Hisham Hamida, diretor financeiro do Conasems.

Em São Paulo, a experiência do Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê (CONDEMAT), que reúne 12 municípios com cerca de 3 milhões de habitantes, tem mostrado que é possível regionalizar diversos setores, entre eles a saúde. Durante a pandemia, o grupo centralizou as demandas da região para reivindicar junto à Secretaria Estadual de Saúde, ampliando a voz dos municípios.

Mesmo a contratação de hospitais filantrópicos, como é o caso do convênio com a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), foi firmado de forma regional em 2018, dando acesso às cidades que necessitavam deste tipo de atendimento. À época, o investimento mensal foi de 190 mil reais para 350 vagas, sendo rateado de acordo com o orçamento e demanda. O atendimento era centralizado em Mogi das Cruzes.

O CONDEMAT ainda deve inaugurar o Hospital Regional do Alto Tietê. Com 195 leitos previstos, pretende ser a referência para média e alta complexidade e deve desafogar unidades municipais. Ele fará parte do Complexo do Hospital Auxiliar de Suzano, uma das cidades que participam do consórcio. Atualmente, está em processo de contratação de uma organização social de saúde para a gestão.

“A regionalização da saúde é um desafio considerando todo o cenário que temos no país, de dimensão continental e que tem uma centralização dos serviços, seja de serviços de saúde ou da própria formação de profissionais e concentração nos grandes centros, o que acaba dificultando o acesso. A discussão do planejamento regional integrado ocorre visando suprir um pouco esses vazios assistenciais e facilitando o acesso para a população”, explica Hisham.

Dificuldades

Apesar de algumas experiências, o diretor financeiro do Conasems explica que não é tão simples desenvolver essa regionalização. Em sua visão, o orçamento é o ponto que mais dificulta a construção dessa política. Ele aponta que “apesar de tripartite, o financiamento do SUS acaba pressionando mais os municípios cada vez mais. O mínimo constitucional deveria ser 15% do orçamento municipal, mas a média aplicada é de 24%. Quando eu pego a União e os Estados, eles ficam na média constitucional”.

Ainda, a destinação de emendas parlamentares é outro obstáculo. Por serem destinados aos municípios e terem grande expressão no orçamento, acabam por aumentar ainda mais os vazios assistenciais. Em 2022, cerca de 15 bilhões de reais foram destinados para a área da saúde, 58,54% do total das emendas parlamentares. Hisham defende que o ideal seria seguir critérios regionais. O Brasil já possui uma divisão em regiões de saúde estabelecidas e regulamentadas pelo governo.

A transferência de recursos do Ministério da Saúde para os municípios é outra área que merece atenção. Ele alerta que “só vamos conseguir avançar de uma forma mais consolidada com a adoção do modelo de financiamento com critério de rateio, onde observo não apenas a questão populacional, mas também onde há serviços sendo ofertados. Passaríamos a observar de fato uma região de saúde, não cada município querer montar o seu serviço”.

Além de questões de orçamentos, ele aponta outros pontos a serem superados, como a fixação de profissionais, a utilização de telessaúde para consultas, logística, deslocamento de pacientes, infraestrutura e tecnologia. Nesse sentido, a participação do governo federal é crucial não só para dar suporte e apoiar projetos, mas para construir as políticas consistentes que contribuam com a regionalização.

Por isso, para além do diálogo entre prefeitos e secretários, a vontade política é crucial para o desenvolvimento do tema. Até o momento, a gestão atual do Ministério da Saúde não abordou avanços e projetos pela regionalização da saúde. No entanto, Giovanni Cerri observa que o “excesso de prioridades” pode acabar atrasando esse processo:

“No Ministério da Saúde identificamos quadros muito capacitados e que têm uma visão bem real do Sistema Único de Saúde. A dificuldade que se tem em saúde é que sempre existem muitas carências. Tantas necessidades e tão poucos recursos que é difícil às vezes conseguir priorizar. Cada gestão acaba priorizando algumas coisas que consideram mais necessárias”.

Parceria SP-OPAS

“O Estado de São Paulo está tentando fazer o que eu também tentei fazer na minha gestão, regionalização foi uma das prioridades quando fui secretário de saúde, 10 anos atrás. Existe uma dificuldade evidente porque oferecer saúde universal para toda a população, mesmo no estado de São Paulo, em que boa parte da população é coberta por seguros privados, não é fácil. O estado tenta ter o papel de coordenador da saúde para poder ajudar na articulação e na formação desses consórcios”, afirma Cerri, que foi secretário de Saúde de São Paulo entre 2011 e 2013.

Ele explica que a criação da Rede Hebe Camargo de Combate ao Câncer foi parte dessa política. Com um investimento inicial de R$ 190 milhões, o programa possui mais de 90 serviços credenciados para atender pacientes oncológicos o mais próximo da sua cidade, sem precisar enfrentar grandes deslocamentos para o tratamento, o que favorece a adesão.

Agora, a parceria do Governo de SP com a OPAS visa a avançar mais na regionalização. A organização afirma, em nota, que o acordo possui alguns eixos estratégicos, como a estruturação e qualificação de estratégias de gestão com foco no processo de regionalização, a estruturação e implementação da estratégia de Saúde Digital, a regionalização e qualificação da rede de atenção à saúde, entre outros. 

A parceria pretende trabalhar a vigilância epidemiológica nas regiões de saúde do estado, assim como cooperar tecnicamente com o Instituto Butantan, para “ampliar a produção e fornecimento de vacinas, insumos laboratoriais e produtos de saúde essenciais, beneficiando mais localidades do Brasil e de outros países, particularmente na América Latina e Caribe.”, segundo a OPAS.

Intitulado Programa de Regionalização da Saúde, terá o foco ainda para a revisão do papel de hospitais com menos de 50 leitos, buscando torná-los mais eficientes, e a unificação de serviços por meio da Central Regional de Regulação, segundo o Governo de São Paulo.

“A regionalização é um modelo que funciona bem e traz economia, porque à medida que você regionaliza a saúde retira todos encargos de um município, partilhando esses encargos entre diversos municípios. Dessa forma, se utiliza melhor os recursos e faz com que os municípios possam economizar em saúde para poder investir em outras áreas sociais”, defende Cerri.

Foto: Reprodução/Futuro da Saúde